I - INTRODUÇÃO
Dentre os objetivos destas considerações, elaboradas a título de contribuição técnica, há o de trazer à reflexão um aspecto que tem relação direta com o chamado “ambiente de controle”, sem desconsiderar as normas legais e regulamentares atinentes ao Sistema de Controle Interno na Administração Pública. Trata-se, basicamente, da possibilidade e conveniência da inserção institucionalizada ao âmbito do Sistema, dos controles internos administrativos (ou controles primários), exercidos pelos gestores sobre os fatos e atos praticados no exercício regular da gestão (primeira linha de defesa).
Com essa abordagem, além de cumprir à exigência legal, a implementação do Sistema pode contribuir decisivamente para a operacionalização das funções atinentes à gestão de riscos da Instituição, que são imprescindíveis ao gerenciamento dos processos de trabalho, quando são identificados e categorizados os eventos indesejáveis, com o objetivo de minimizar seus impactos negativos.
Neste sentido, o Sistema de Controle Interno (SCI) pode agregar significativo valor à organização, desde que estruturado não somente sob a ótica da fiscalização, mas como instrumento de apoio à gestão, focado no fortalecimento dos controles administrativos de caráter preventivo, que são destinados a mitigar os riscos identificados a partir do mapeamento dos processos. Há um ganho de eficiência quando a estruturação dos controles internos ocorre e sintonia e com o gerenciamento por processos e a gestão de riscos.
Além do arcabouço legal vigente sobre a matéria, existem outros projetos que procuram fortalecer e ampliar a ação do Sistema de Controle Interno e direcioná-lo também aos controles preventivos, com destaque à PEC-45/2009, ao Projeto de Lei do Senado Nº 248/2009 – Complementar (art. 119) e ao Projeto de Lei Complementar PLP 295/2016 (art. 70, 71 e 72). Considere-se, no entanto, que não somente as normas legais e regulamentares devem nortear a configuração do Sistema de Controle Interno. Quando tratado como um instrumento de apoio à gestão também devem ser considerados os aspectos relacionados à governança, onde a principal fonte de orientação provém do COSO (Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission), em sua versão que trata do controle interno (ICFR/2013).
Numa outra vertente, tem proliferado ampla discussão sobre o tema Compliance, sendo visto como a solução para prevenir toda espécie de problemas de má conduta e de irregularidades nas empresas e nas organizações públicas, fato que, por si só, já o vincula ao Sistema de Controle Interno. Mas há que haver certa precaução no tratamento dessa matéria, em especial nos municípios e organizações de menor porte. O ideal é procurar abstrair dessa disciplina os aspectos que poderão fortalecer o controle interno, sem criar novas demandas significativas, já que, diferentemente do que ocorre nas empresas, agir em conformidade com a legislação já é uma obrigação implícita em qualquer órgão público.
II – O ENFOQUE PREVENTIVO DO CONTROLE
- Independentemente de esfera de Governo, Poder ou porte da organização pública, a prática tem comprovado a importância do fortalecimento dos controles administrativos, de caráter preventivo, e a participação, de forma institucionalizada, de todas as unidades da estrutura organizacional no processo de controle.
Isto se constata em diversos órgãos públicos para os quais já prestamos orientação técnica para a institucionalização de um sistema, na sua exata acepção, incluindo municípios, os Poderes Executivo e Legislativo Estaduais, Tribunais de Contas, Tribunais de Justiça e Ministérios Públicos Estaduais. Sua forma de funcionamento permite que o controle interno seja exercido de maneira mais eficaz, atuando preventivamente, como ferramenta de apoio à gestão. Propicia, também, o fomento de uma cultura na qual a questão do controle interno passa a ser entendida como sendo de responsabilidade de todas as unidades, como parte do próprio processo gerencial, e não somente do órgão central do Sistema.
Verifica-se que, muitas vezes, os controles internos praticados nos diversos segmentos das instituições públicas não são baseados em procedimentos claramente definidos, sistemáticos e padronizados, ou seja, muitas vezes são adotados por iniciativas isoladas e, assim, nem sempre têm continuidade quando das mudanças na gestão. Adicione-se a este fato a amplitude dos controles que se fazem necessários (administrativos, contábeis, financeiros, patrimoniais e operacionais) e a questão da tempestividade, onde se verifica a conveniência de que ocorram preventivamente, ou seja, antes ou concomitantemente às ações do dia a dia.
Estes aspectos deixam claro que os controles, com estas características, não podem ser exercidos integralmente de forma centralizada, através de uma unidade para este fim constituída, mas sim, todas as unidades devem participar do processo de controle, mediante o aprimoramento e efetivo cumprimento de seus controles administrativos e operacionais. Esta orientação tem respaldo em modelos internacionais que preconizam a descentralização do Sistema de Controle Interno, o qual passa a ser tratado como um sistema de gestão.
Não é por acaso que as normas constitucionais, e também da Lei de Responsabilidade Fiscal, relacionadas a este assunto, não fazem referencia a uma unidade de Controle Interno, mas sim, ao SISTEMA de Controle Interno (SCI) da instituição. No entanto, esta expressão, cunhada com status Constitucional, acabou induzindo ao longo do tempo uma visão de accountability limitada, onde o conceito de controle interno seria apenas atribuído às funções de controladoria e auditoria interna, procurando atacar o efeito, sem atacar a causa.
2. Resumidamente, o modelo de funcionamento do SCI que temos proposto, fundamenta-se numa visão sistêmica e é estruturado por processos de trabalho, onde são estabelecidos e claramente identificados os procedimentos de controle atinentes a cada macroprocesso, que no âmbito do SCI passam a ser identificados como sistemas administrativos. Neste caso, a implementação do Sistema é facilitada nas instituições que adotam metodologias para o gerenciamento por processos e a gestão de riscos.
Além da especificação em destaque nos manuais de rotinas internas, dos procedimentos de controle necessários para mitigar riscos, os órgãos centrais de sistemas administrativos passam a ter respaldo para definir regras e procedimentos a serem cumpridos, inclusive por outras unidades, relacionadas ao fortalecimento dos controles, ficando descaracterizada, desta forma, qualquer situação de cogestão.
Com a orientação do órgão central do SCI e a partir de um padrão de instrumento normativo, cada órgão central de sistema administrativo (p.ex.: o Departamento de Gestão de Pessoas como órgão central do Sistema de Gestão de Pessoas – SGP), estabelece um conjunto de instruções normativas contendo regras e procedimentos de controle a serem observados pela própria unidade e por todas as demais, quando tratarem questões afetas ao assunto da norma. Esse conjunto de instruções normativas passa a compor o "Manual de Procedimentos de Controle" da instituição, para ser acessado por meio físico ou virtual.
Se a organização já está estruturada para a prática da gerência por processos, certamente já deve ter ocorrido o mapeamento dos processos, identificados os "pontos de controle" e especificados os respectivos "procedimentos de controle" em cada rotina, a partir de uma avaliação preliminar de riscos. Não sendo esta a situação, esse trabalho pode acontecer em consonância com a implementação do Sistema de Controle Interno, quando os aspectos de controle seriam enfatizados.
Ainda assim, podem ser desenvolvidas as instruções normativas do SCI aplicáveis a cada sistema administrativo, principalmente para estabelecer regras e procedimentos a serem cumpridos por outras unidades, observando o padrão e as regras estabelecidas pelo órgão central do SCI. Nestes casos, as instruções normativas do SCI não detalham as rotinas, mas fazem referência (se vinculam) aos instrumentos nos quais as rotinas são especificadas (fluxogramas, manuais descritivos - Procedimentos Operacionais Padrão (POP), etc.). Apenas especificam as regras gerais a serem observadas em relação ao assunto objeto da norma, alertando para aspectos relevantes de controle e detalhando a forma como o controle deve ser executado.
Cabe destacar que o trabalho não se restringe à elaboração de um manual de procedimentos de controle. Este é apenas um dos produtos. Um dos pontos mais importantes é que, a partir daí, a questão do controle interno passa a ter a devida ênfase em toda a instituição.
Com o controle preventivo instrumentalizado, as ações de controle interno são, então, complementadas através da constituição de alguns indicadores para medir o grau de adesão aos procedimentos de controle, por parte do órgão central do sistema administrativo, e de macrocontroles para acompanhamento dos aspectos mais relevantes (legais - operacionais - de gestão), por parte do órgão central de controle interno.
Verifica-se, portanto, que o Sistema de Controle Interno deve ser integrado à gestão, incorporado à cultura e às práticas da organização e adaptado aos seus processos.
Neste contexto, a atividade de auditoria interna, exercida com a devida independência, integra o Sistema de Controle Interno e fecha o ciclo do controle, adotando como principal objetivo o de avaliar e otimizar os procedimentos de controle.
3. Ocorre que as ações institucionalizadas de controle interno na administração pública são concentradas em unidades para este fim constituídas e têm caráter fiscalizatório, em geral mediante atividades auditoria, inspeção administrativa e revisão de atos e processos. Assim, são caracterizadas como um controle exercido a posteriori, cujos efeitos irão se constituir em correções futuras.
No entanto, existem inúmeras e comprovadas vantagens quando, além do controle exercido a posteriori, são fortalecidos os controles internos administrativos, de caráter preventivo, que em geral são estabelecidos para mitigar riscos. Com a incorporação destes controles ao âmbito de um Sistema de Controle Interno, em sua exata acepção, incluindo a participação das unidades gestoras no processo de definição e execução dos controles, estes passam do caráter informal para o institucionalizado
Isto viabiliza significativa melhoria na atuação das unidades de controle interno que ficam, definitivamente, desincumbidos de ter que executar atividades próprias e típicas de gestão, conforme orientação do Tribunal de Contas da União. Pode, também, possibilitar otimização da atividade de auditoria, com redução da carga de trabalho em auditorias de conformidade e maior direcionamento para auditorias operacionais e de resultados.
4. Cabe registrar que o modelo de funcionamento do SCI objeto destas considerações corrobora as orientações do Tribunal de Contas da União, aplicáveis ao âmbito federal, no sentido de que os controles internos administrativos sejam fortalecidos e tratados segregadamente, de forma a prover total independência à função de auditoria interna. Obviamente, no caso dos órgãos dos Estados e nos municípios, que têm autonomia para legislar sobre a matéria, ainda que seja preservada esta segregação da atividade de auditoria interna, não se pode deixar de considerar as questões estruturais e de limitação de recursos.
O Sistema também poderá contribuir para a excelência dos serviços da Administração Pública, por meio do aperfeiçoamento da governança, aspecto em geral inserido dentre os principais objetivos nos Mapas Estratégicos das instituições.
Neste sentido, pode gerar aumento de produtividade, onde o estabelecimento de adequados procedimentos de controle em pontos-chave das rotinas evita o retrabalho, a interposição de recursos contra a Administração, como no caso de processos licitatórios e outras situações, etc.
III – REFERÊNCIAS LEGAIS E REGULAMENTARES SOBRE O TEMA
5. Objetivando contribuir nas ações destinadas ao cumprimento das normas legais e regulamentares que tratam do Sistema de Controle Interno (art. 31, 70, 74, da CF, art. 59 da LRF, Leis Orgânicas e Resoluções dos Tribunais de Contas, etc), temos orientado a implementação deste modelo junto a órgãos públicos há muitos anos. Um dos marcos foi o trabalho realizado em 2007, quando auxiliamos o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso na elaboração de um guia de orientação aos seus órgãos jurisdicionados (aprovado pela Resolução nº 01/2007). Esse Guia foi sendo, posteriormente, adaptado por outros Tribunais de Contas, como o do Estado do Espírito Santo (Resolução TC 227 de 25.08.2011) ou serviu de referencia, gerando o inicio de uma uniformidade de entendimento sobre o assunto no âmbito de alguns Estados.
Com a evolução tecnológica e em consonância com as ações voltadas à melhoria da eficiência e da qualidade na gestão pública, o modelo vem sofrendo gradativo aprimoramento, em especial com a vinculação do estabelecimento de controles à avaliação de riscos. Vivenciamos esta experiência em vários órgãos, incluindo o trabalho relativo ao Sistema de Controle Interno do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), cuja implementação foi aprovada através da Resolução nº 284, de 26 de novembro de 2015.
Tem sido motivo de grande satisfação constatar que as idéias que temos difundido desde a edição do nosso primeiro livro sobre o assunto vêm, gradativamente, tendo o devido reconhecimento quanto a sua pertinência e aplicabilidade. Neste sentido, esta forma de funcionamento do SCI teve a sua eficácia reconhecida por parte da ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), quando, juntamente com as normas do INTOSAI e estudos desenvolvidos pelo CONACI, foi considerada entre as referencias (não explicitamente) para a elaboração de algumas Normas Técnicas a serem observadas pelos Tribunais de Contas.
Trata-se, no caso, das Diretrizes de Controle Externo Atricon 3302/2014 – “Controle Interno: Instrumento de eficiência dos Tribunais de Contas”, aprovadas pela Resolução Atricon 04/2014 e das Diretrizes de Controle Externo Atricon 3204/2014 – “Controle Interno: Instrumento de eficiência dos jurisdicionados”, aprovadas pela Resolução Atricon 05/2014.
Nesse segundo anexo, as diretrizes de números 15 a 20 evidenciam claramente a vinculação das orientações aos Tribunais de Contas ao nosso modelo de SCI. Já os itens 21, 24, 25 e 28 detalham as ações a serem tomadas pelos Tribunais de Contas junto aos respectivos jurisdicionados, visando ao cumprimento dessas diretrizes.
6. Quanto ao aspecto legal, também cabe destaque aos termos da Proposta de Emenda à Constituição 45/2009, a qual, mediante a inclusão do Inciso XXIII ao art. 37 da CF, agrega ao Sistema de Controle Interno as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, agregando ao âmbito do Sistema funções outras, que não têm cunho de fiscalização propriamente dita.
Em relação a este modelo de funcionamento do SCI que estamos apresentando de maneira sintética, a função de controladoria, executada em nível macro, sem a assunção de controles operacionais de responsabilidade das unidades, estaria inserida dentre as competências do órgão central do Sistema. A função de auditoria interna seria executada com independência, preferencialmente através de unidade hierarquicamente segregada, porém com vinculo técnico ao órgão central do Sistema de Controle Interno. Já as funções de ouvidoria e de correição passariam a ser exercidas de forma integrada às atividades do órgão central do SCI, mesmo sem vínculo hierárquico a este.
No entanto, conforme já demonstrado anteriormente, o Sistema de Controle Interno não pode deixar de contemplar, de forma institucionalizada, as atividades de controle desenvolvidas por todas as unidades da estrutura organizacional. Os controles administrativos e operacionais de caráter preventivo, inseridos no processo de gestão e destinados a mitigar riscos.
Neste sentido, o texto da PEC-45/2009 merece reparo e, a título de contribuição técnica, encaminhamos uma proposta de redação alternativa através de um Senador de Santa Catarina, mas que possivelmente só será apreciada quando o projeto da PEC tramitar na Câmara dos Deputados. Se a redação for alterada, a norma constitucional passaria a conclamar a todas as unidades que integram os órgãos públicos a participarem do processo de controle, como forma de prevenir situações de ilegalidades e irregularidades na administração. Esta abordagem, inclusive, é compatível com as recomendações contidas nas Orientações Técnicas aprovadas das pelas Resoluções nºs. 04 e 05/2015 da ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil).
7. Igualmente o Projeto de Lei Complementar PLP 295/2016, que tramita na Câmara dos Deputados, em especial no § 1º de seu art. 65, quando define que “... é de competência do gestor o controle prévio da gestão”, reforça a idéia de que aos gestores cabe implementar um Sistema de Controle Interno com abrangência mais ampla,
As finalidades do Sistema de Controle Interno, arroladas no art. 70 do mesmo PLS, principalmente nos incisos IV, V e VI, apontam para a necessidade do envolvimento de todas as unidades no processo de controle, atuando de maneira integrada, sob a coordenação do órgão central do SCI, na forma de um sistema, em sua exata acepção.
No tocante às empresas estatais, os arts. 6º e 9º, inciso I, da Lei nº 13.303, de 30 de julho de 2016, também indicam a obrigatoriedade de instituírem um sistema de controle interno com esta visão descentralizada.
IV – SCI E GOVERNANÇA
- Mas não somente as normas legais e regulamentares devem nortear a configuração do Sistema de Controle Interno na administração pública. Quando visto como um instrumento de apoio à gestão, também devem ser considerados os aspectos relacionados à governança e, neste particular, a principal fonte de orientação provém do COSO (Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission).
O modelo de funcionamento do SCI que estamos apresentando guarda simetria com os objetivos, componentes e princípios estabelecidos no COSO ICFR (2013), em especial os princípios a seguir transcritos:
Componente ambiente de controle:
Princípio 5: A organização faz com que as pessoas assumam responsabilidade por suas funções de controle interno na busca pelos objetivos.
Componente avaliação de riscos:
Princípio 7: A organização identifica os riscos à realização de seus objetivos por toda a entidade e analisa os riscos como uma base para determinar a forma como devem ser gerenciados.
Componente atividades de controle:
Princípio 10: A organização seleciona e desenvolve atividades de controle que contribuem para a redução, a níveis aceitáveis, dos riscos à realização dos objetivos
Componente informação e comunicação:
Princípio 14: A organização transmite internamente as informações necessárias para apoiar o funcionamento do controle interno, inclusive os objetivos e responsabilidades pelo controle.
9. Em resumo, nos trabalhos que temos desenvolvido, procuramos evidenciar a importância do entendimento de que os controles internos administrativos, também identificados como controles primários, exercidos pelos gestores sobre os fatos e atos praticados no exercício regular da gestão, devem integrar o Sistema de Controle Interno (SCI) da instituição, de maneira institucionalizada.
A estruturação desses controles com visão sistêmica, segmentados por sistemas administrativos e estabelecidos por processos de trabalho, soma-se às iniciativas de outras frentes que se preocupam em tornar a administração pública mais eficiente, transparente e menos sujeita a ações indesejáveis.
Esta convicção está alicerçada, principalmente, pelo fato de que este modelo de funcionamento do SCI age diretamente na “Primeira Linha de Defesa” (gestão operacional e controles internos administrativos) e atua em consonância com a “Segunda Linha de Defesa” (monitoramento dos controles, gerenciamento de risco e conformidade), conforme estabelecidas na “Declaração de Posicionamento do IIA-Brasil: as Três Linhas de Defesa no Gerenciamento Eficaz de Riscos e Controles”, a qual está baseada nas normas internacionais.
Neste contexto, à atividade de auditoria interna (3ª Linha de Defesa), embora integrante do Sistema de Controle Interno, deve ser assegurada a devida independência. Tem-se, desta forma, as três linhas de defesa compondo o Sistema de Controle Interno.
É justamente a inexistência, ineficiência ou informalidade dos controles administrativos, de caráter preventivo, que pode facilitar a ocorrência de irregularidades. Assim, é fundamental que sejam expedidos atos que institucionalizem as funções da primeira e da segunda linha de defesa do controle interno e que seja adotado um programa de modernização das normas de gestão.
Recentemente foi publicado que uma das condições para países como a Croácia e a Bulgária se unirem à Comunidade Européia foi a de modernizar seus sistemas de controle, adotando justamente a doutrina mundialmente aceita das três linhas de defesa, para permitir maior eficiência e eficácia na gestão pública.
Numa correlação com o que vem sendo praticado nos países da União Européia, este modelo de Sistema de Controle Interno é assemelhado ao chamado Modelo Nórdico, que é adotado em cerca de 20 Estados-Membros e que trata o controle interno como um sistema descentralizado, em contraponto com o Modelo Latino, onde as ações de controle são mais centralizadas.
A simetria entre o modelo de funcionamento do Sistema de Controle Interno que estamos apresentando e a abordagem das 3 linhas de defesa fica bem caracterizada pelos seguintes aspectos:
Primeira linha: pelo fortalecimento dos controles administrativos, mediante a estruturação dos controles com abordagem horizontal, por processos de trabalho agrupados por sistemas administrativos; com expedição de uma norma (Instrução Normativa SCI-01) definindo padrões e metodologia para a identificação e especificação dos procedimentos de controle em manuais de rotinas e/ou em instruções normativas do SCI, os quais são estabelecidos a partir de avaliação de riscos.
Segunda linha: pelo monitoramento da efetividade dos procedimentos de controle a partir dos Indicadores de Controle Interno, ação de responsabilidade dos órgãos centrais de sistemas administrativos com acompanhamento pelo órgão central do Sistema, assim como, através do exercício de macrocontroles por parte do órgão central.
Terceira linha: atividade de auditoria interna exercida com independência.
- Trata-se, portanto, de matéria que está evoluindo muito rapidamente, na medida em que as organizações estão se convencendo da importância do fortalecimento dos controles administrativos de forma associada ao gerenciamento de riscos, o que trará reflexos positivos na função de auditoria interna, a qual poderá ser direcionada a outros patamares. É uma questão de nível estratégico, onde o controle interno passa a ser visto sob uma ótica que vai além do aspecto da fiscalização, inclusive relacionando-se a ações previstas no próprio Planejamento Estratégico da organização. Também tem vinculação direta com outras ações voltadas à busca da eficiência e modernidade da Administração, em especial a adoção do gerenciamento por processos e a gestão de riscos.
Desta forma, a análise deste assunto envolver todas as áreas que possam contribuir para uma adequada avaliação dos benefícios decorrentes de um Sistema de Controle Interno com a abordagem ora apresentada. Note-se que sua implementação, diante do suporte legal que lhe é pertinente, pode ser motivo de fortalecimento das demais ações acima comentadas.
É a clara identificação das motivações que farão com que o Sistema de Controle Interno seja incorporado ao comportamento dos gestores e colaboradores da Instituição, refletindo na formação de uma “cultura de controle” ou “mentalidade de controle”. A abordagem de processo, a mentalidade de controle e a prática da avaliação de riscos são a base para a eficácia do SCI.
V – PONTOS PARA REFLEXÃO
11. Ao longo dessas considerações procurou-se evidenciar que a forma de funcionamento do Sistema de Controle Interno ora apresentada pode, efetivamente, fortalecer o ambiente de controle, em todas as suas nuances. Por este motivo, sua avaliação deve ser tratada como uma questão de nível estratégico, pois embora o assunto seja da competência da unidade já constituída ou a ser implantada, que atuará como órgão central do Sistema, sua operacionalização envolve e beneficia a todas as unidades da estrutura organizacional, principalmente as vinculadas à área de apoio. Daí porque a conveniência de a matéria ser discutira num âmbito mais amplo, conforme os comentários anteriormente apresentados.
12. No tocante à fundamentação legal, as disposições da Constituição Federal e da LRF mencionam que “... a fiscalização... será exercida .. pelo SISTEMA de controle interno...” e não por uma unidade de controle interno. Se em seu conceito mais simples o sistema for entendido como um “conjunto de ações coordenadas para uma finalidade específica”, ou algo semelhante, fica claro que as ações de controle não são centralizadas no órgão central do sistema, mas são exercidas por todas as unidades, no cumprimento de suas ações finalísticas ou de apoio. Logo, todas as unidades, na prática, integram o sistema, visando a eficácia do controle interno como um todo.
Este raciocínio deve ser aliado à orientação que consta do art. 70 da Norma Maior onde, além de adotar a expressão “sistema”, amplia o âmbito da fiscalização a aspectos operacionais e patrimoniais, não se restringindo a questões de ordem contábil, financeira e orçamentária, além de apontar para a avaliação da legitimidade e economicidade dos atos. Neste contexto, pode-se inferir ser perfeitamente plausível que as atividades de controle exercidas por todas as demais unidades sejam, igualmente, integradas ao âmbito do Sistema de Controle Interno de forma institucionalizada.
A Constituição Federal, no entanto, não diferenciou unidade de controle interno, Sistema de Controle Interno, auditoria Interna e controles internos, de forma que há a necessidade de as instituições públicas discutirem e definirem os papéis de cada um destes institutos.
13. Também os argumentos que se seguem, os quais sintetizam este trabalho, podem respaldar uma avaliação mais aprofundada da matéria que ora apresentamos, à titulo de colaboração técnica:
- Existem inúmeras e comprovadas vantagens para as instituições públicas quando, além do controle exercido a posteriori, são claramente definidos e fortalecidos os controles internos administrativos, de caráter preventivo, que em geral são estabelecidos para mitigar riscos.
- Com a incorporação destes controles ao âmbito de um Sistema de Controle Interno, em sua exata acepção, incluindo a participação das unidades gestoras no processo de definição e execução dos controles, estes passam do caráter informal para o institucionalizado.
- Os arts. 70 e 74 da CFRB, 59 da LRF e disposições que tratam da matéria nas Leis Orgânicas dos Tribunais de Contas, não indicam que a fiscalização (...) será exercida por uma unidade ou órgão de controle interno, mas sim, pelo Sistema de Controle Interno (SCI).
- Nos termos do art.70, da CFRB, a fiscalização interna extrapola questões de ordem contábil, financeira e orçamentária, estendendo o controle a aspectos operacionais e patrimoniais, inclusive sob a ótica da efetividade, eficácia, etc. Um adequado controle com esta abrangência requer o fortalecimento dos controles internos administrativos e sua agregação ao âmbito do Sistema de Controle Interno, de maneira institucionalizada, é fator decisivo para que isto se concretize.
- A PEC 45/2009 procura enfatizar a visão sistêmica do controle interno, preconizada pelo art. 70 e 74 da CFRB, procurando inserir ao âmbito do sistema, algumas funções que não são tipicamente de controle (ouvidoria, correição). Nesta linha, seria plausível agregar a este âmbito, de forma institucionalizada, todas as demais unidades, no exercício dos respectivos controles administrativos, que passariam a se constituir em unidades executoras do SCI.
- O Projeto de Complementar PLP 295/2016, que tramita na Câmara dos Deputados, o qual irá alterar a LRF e revogar a Lei 4320/64, no § 1º de seu art. 65, define que “... é de competência do gestor o controle prévio da gestão” e o art. 70, indica que cada Poder e órgão da estrutura de governo deverão manter o seu próprio sistema de controle interno.
- A expressão “sistema” pressupõe a ação conjunta de todas as unidades. Neste caso, visando o fortalecimento dos controles internos, numa forma de auto-fiscalização.
- Com esta visão, todas as unidades passam a, institucionalmente, integrar o Sistema, quando do exercício de seus respectivos controles internos administrativos, sob a coordenação e orientação técnica de uma Unidade Central de Controle Interno, que atua como órgão central do SCI, sem que isto caracterize cogestão.
- Esta abordagem estimula uma cultura ou mentalidade de controle, a partir do entendimento de que se trata de uma questão de responsabilidade de todos os gestores e servidores e não somente da unidade constituída para atuar como órgão central do Sistema de Controle Interno da instituição, interferindo positivamente no ambiente de controle.
- isto viabiliza significativa melhoria na atuação das unidades ou núcleos de controle interno que ficam, definitivamente, desincumbidos de ter que executar atividades próprias e típicas de gestão, conforme orientação do Tribunal de Contas da União.
- Pode, também, possibilitar otimização da atividade de auditoria, com redução da carga de trabalho em auditorias de conformidade e maior direcionamento para auditorias operacionais e de resultados.
- Sua implementação nos órgãos integrantes da Administração Pública se configura como uma oportunidade para dotá-los não somente de um mecanismo destinado ao cumprimento das exigências legais e regulamentares inerentes à fiscalização interna, mas também de um instrumento de apoio, atrelado às demais ações estratégicas voltadas ao aumento da eficiência da gestão.
- Possibilita, também, agregar num contexto único todas as funções e ações que tenham relação com o controle interno e que possam interferir na melhoria do ambiente de controle.
- Esta é uma prática que tende a se tornar comum na administração pública em nível estadual e municipal, tendo em vista que, na qualidade de órgãos jurisdicionados dos Tribunais de Contas, devem atender, também, às orientações destes. Neste sentido, as Diretrizes de Controle Externo Atricon 3204/2014, aprovadas pela Resolução Atricon nº 05/2014, já em seu primeiro tópico estabelece a obrigatoriedade de “institucionalização e implementação do Sistema de Controle Interno...”, apontando para uma forma de funcionamento semelhante à que foi ora apresentada.
- Diante disso, torna-se conveniente que se aproveite a oportunidade para disciplinar a aplicação dessas orientações no âmbito da Administração Pública, ou seja, que já busque simetria com as diretrizes do controle externo.
- Esta forma de funcionamento do Sistema de Controle Interno, onde os controles são estruturados com uma abordagem horizontal, por processos de trabalho e agrupados por sistemas administrativos, já foi implementada com sucesso em diversos órgãos públicos, diante de orientações dos respectivos Tribunais de Contas.
- Destaque-se que este modelo age diretamente na “Primeira Linha de Defesa” (gestão operacional e controles internos administrativos) e atua em consonância com a “Segunda Linha de Defesa” (gerenciamento de risco e conformidade), conforme detalhadas na “Declaração de Posicionamento do IIA-Brasil: as Três Linhas de Defesa no Gerenciamento Eficaz de Riscos e Controles”.
- Neste contexto, à atividade de auditoria interna (3ª Linha de Defesa), embora integrante do Sistema de Controle Interno, deve ser assegurada a devida independência, em conformidade aos Acórdãos do Tribunal de Contas da União a respeito desta matéria. Tem-se, desta forma, as três linhas de defesa compondo o Sistema de Controle Interno.
Esperamos que estas considerações, de alguma forma, possam contribuir com idéias que se traduzam em aperfeiçoamento do controle interno nos órgãos da Administração Pública.
Em 27 de novembro de 2017.
Este modelo está detalhado no livro:
Sistema de Controle Interno na Administração Pública. /José Osvaldo Glock./ Curitiba: Juruá, 2015.