Tramita na Câmara dos Deputados dede 11 de junho e visa regular o sistema de controle interno (SCI) dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluindo o Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública.
I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Louve-se, inicialmente, a iniciativa da apresentação do Projeto de Lei n. 3448/2019, de autoria dos Deputados Tiago Mitraud, Felipe Rigoni e Adriana Ventura, o qual regula o sistema de controle interno dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios previsto nos arts. 31, 70 e 74 da Constituição Federal. De fato, trata-se de um tema de extrema relevância, que se insere no contexto das iniciativas voltadas à prevenção contra a corrupção, o qual efetivamente carece de uma regulamentação que unifique entendimentos e procedimentos em todo o País, de forma que o controle interno se torne num instrumento eficaz e com o devido reconhecimento.
De minha parte, com mais de 20 anos de experiência na função de auditor interno em empresas de serviços públicos, desenvolvi uma visão sistêmica dos controles internos para fins de otimização do planejamento e execução de trabalhos de auditoria. Em sequência, na condição de profissional liberal, passei a exercer atividades de consultoria e capacitação, dentre outros temas, sobe a implementação do Sistema de Controle Interno (prefiro grafar com letras maiúsculas). Nesse trabalho, passei a adotar, para a estruturação dos controles preventivos, a mesma abordagem sistêmica que utilizava para a organização e planejamento das auditorias internas. Essa atividade tomou maior impulso a partir de 2003, quando divulguei esse modelo de funcionamento do SCI através de um primeiro livro publicado pela Editora Atlas, o qual passou a ser adotado com sucesso em inúmeros órgãos públicos.
Portanto, há vários anos tenho me dedicado a atividades voltadas ao fortalecimento dos controles internos em organizações públicas, atuando na orientação técnica para a implementação de um Sistema de Controle Interno com enfoque preventivo e descentralizado em órgãos dos três Poderes dos Estados e também em municípios, mas que também pode ser adaptado a empresas estatais, até em função da Lei das Estatais.
Um dos marcos foi o trabalho realizado em 2007, quando colaborei com o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso na elaboração de um guia de orientação aos seus órgãos jurisdicionados (aprovado pela Resolução nº 01/2007). Esse Guia foi sendo posteriormente adaptado por outros Tribunais de Contas, como o do Estado do Espírito Santo (Resolução TC 227 de 25.08.2011) e vem servindo de referência para vários outros Estados. Também foi considerado na formatação das Diretrizes de Controle Externo da Atricon sobre o tema, gerando o início de uma uniformidade de entendimento sobre o assunto.
Assim, sinto-me à vontade para, a título de colaboração técnica, apresentar as considerações e sugestões que se seguem.
II – A EVOLUÇAO DO CONTROLE INTERNO
Diversos Acórdãos do Tribunal de Contas da União, assim como orientações da Controladoria-Geral da União, do Conselho Nacional de Justiça (no âmbito do Poder Judiciário), de Tribunais de Contas estaduais (a partir das diretrizes da Atricon) e de outros órgãos de fiscalização, vêm procurado fortalecer e ampliar a ação do Sistema de Controle Interno, direcionando-o também aos controles preventivos. Isso, de certa forma, também está retratado no Projeto de Lei Complementar PLP 295/2016 (art. 70, 71 e 72). Cita-se como exemplo o Acórdão TCU nº 3468/2014 – Plenário onde consta (inserimos os destaques):
9.2.2.2. desenvolva estudos com vistas a desenvolver a atividade de avaliação de riscos no seu âmbito administrativo, com vistas à delimitação de responsabilidade institucional para o desenvolvimento de um futuro sistema de controle interno orientado ao risco e à governança
Verifica-se, portanto, que em consonância com as normas internacionais sobre a matéria, em nosso País está ocorrendo um processo de migração de uma visão baseada numa estrutura centralizadora de controle para uma visão sistêmica, com a gradativa mudança de um procedimento de conformidade para o de gestão administrativa. Trata-se do aperfeiçoamento de todo o processo de controle, onde os controles internos administrativos devem ser fortalecidos, propiciando também um ganho de qualidade na função de auditoria interna e correlatas, assim como no apoio do controle interno ao controle externo no exercício de sua missão institucional, conforme determina do inciso IV d art. 74 da C.F.
Com isso, há uma inevitável vinculação entre o Sistema de Controle Interno, quando estruturado para operar com abordagem preventiva e descentralizada, e a gestão de riscos. Sua implementação, nesta forma, pode contribuir decisivamente para que a instituição fique menos vulnerável a riscos de toda ordem, uma vez que os procedimentos de controle, definidos como necessários para mitigar riscos, passam a compor instrumentos normativos integrantes de um Sistema devidamente institucionalizado. Com o fortalecimento dos controles preventivos, a Administração Governamental passa a contar com mais um instrumento de suporte à governança.
III – COMO O PROJETO DE LEI PODE PROPICIAR O APERFEIÇOAMENTO DO CONTROLE INTERNO
Neste contexto, entendo que uma contribuição decisiva para a evolução e aperfeiçoamento do controle interno seria a inclusão, no texto da Lei, de disposições claras e objetivas no sentido de consolidar essa visão sistêmica, de forma a conclamar a todas as unidades que integram os órgãos públicos a participarem do processo de controle, como forma de prevenir situações de ilegalidades e irregularidades na administração. A referência e definição do papel do órgão central do Sistema e das demais unidades no processo de controle, fortalece o sentido de prevenção contra erros, fraudes ou ilegalidades, os quais, numa abordagem mais conservadora, somente iriam ser detectados a posteriori. Com isso, o SCI passa a ser também mais um instrumento de podem dificultar os atos de corrupção.
No modelo em comento, as atividades de controle preventivo são coordenadas e monitoradas pelo órgão central do sistema ao qual compete, também, integrar as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, independentemente da forma em que estiverem posicionadas na estrutura organizacional da instituição. As funções de controladoria e de auditoria governamental em geral estão inseridas dentre as competências do órgão central do sistema. Já as funções de ouvidoria e de correição, passariam a ser exercidas de forma integrada às atividades deste órgão central, ainda que sem vínculo hierárquico obrigatório a este.
A Lei pode ainda conter outras orientações, como a indicação da importância que que os controles preventivos sejam estabelecidos por processos de trabalho (visão horizontal) agrupados em sistemas administrativos, sendo especificados num conjunto de instruções normativas que irão compor um Manual (virtual) de regras gerais e procedimentos de controle de cada instituição (esses aspectos, inclusive, são contemplados nas Diretrizes de Controle Externo da Atricon).
Igualmente, pode prever a necessidade do estabelecimento de Indicadores de Controle Interno, sendo alguns com a finalidade de monitorar o nível de adesão aos procedimentos de controle estabelecidos e, assim, monitorar os próprios riscos e outros para subsidiar a gestão, quando são estabelecidos para identificar a possibilidade de os objetivos de um processo de trabalho não serem atingidos com eficiência e eficácia, bem como, a necessidade de ações administrativas para a correção de rumo.
Em consonância com estes comentários, apresento algumas sugestões de disposições que poderiam ser inseridas ou adequadas a outras já contempladas no Projeto de Lei:
Art. ... O Sistema de Controle Interno (SCI) deve agregar num contexto único todas as funções e ações que tenham relação com o controle interno e que possam interferir na melhoria do ambiente de controle, devendo atuar em consonância com as atividades voltadas à modernização da gestão, com o gerenciamento por processos e a gestão de riscos (se existentes na instituição).
Art. ...São agentes do Sistema de Controle Interno:
I – O órgão central do SCI: unidade responsável pela coordenação, orientação técnica e supervisão do Sistema.
II – As Unidades Executoras do SCI: as diversas unidades integrantes da estrutura organizacional, no exercício dos controles da gestão em suas funções finalísticas e de apoio.
III – Os órgãos centrais de sistemas administrativos: unidades que respondem pelo gerenciamento e supervisão das atividades afetas a determinado sistema administrativo.
IV – As unidades executoras de sistemas administrativos: unidades sujeitas à observância de regras e procedimentos de controle especificados nos manuais de rotinas internas e/ou em Instruções Normativas do SCI, relacionados a determinado sistema administrativo.
Parágrafo único: as funções de ouvidoria e de correição devem ser exercidas de forma integrada às funções de auditoria interna e à unidade que atua como do órgão central do Sistema de Controle Interno, caso esta seja segregada, ainda que sem vínculo hierárquico estas unidades.
Art. ... Os controles internos serão estruturados com uma abordagem horizontal, por processos de trabalho e agrupados por sistemas administrativos, estes entendidos como um conjunto de atividades que agreguem processos de trabalho afins, envolvendo todas ou algumas das unidades da organização, as quais executam procedimentos coordenados e orientados pelo órgão central do sistema.
Art. ... Os procedimentos de controle integrarão as rotinas, métodos de trabalho e procedimentos operacionais e serão estabelecidos pelos órgãos centrais de sistemas administrativos mediante aplicação de metodologia baseada e avaliação de riscos, com sua especificação em instrumentos normativos a partir de padrões previamente estabelecidos.
Art. ...Deve ser instituído o documento Instrução Normativa do SCI, que serão expedidas pelos órgãos centrais de sistemas administrativos, estabelecendo regras gerais e procedimentos de controle mais complexos, em especial a serem observados por outras ou todas as unidades quando do tratamento de questões inerentes ao sistema administrativo; especialmente em áreas potencialmente sensíveis ao cometimento de irregularidades.
Art.... A Instrução Normativa do SCI é um documento padronizado, através do qual serão especificadas regras gerais e procedimentos de controle inerentes a aspectos ou situações relevantes sob a ótica de riscos de qualquer ordem, que não estejam retratadas nos manuais de rotinas internas.
Art.... O conjunto das instruções normativas do SCI irá compor um Manual (virtual), cuja organização e manutenção será atribuição do órgão central do Sistema de Controle Interno, que se obriga a divulgá-las no sitio eletrônico da instituição.
IV – COMENTARIOS E SUGESTÕES PONTUAIS SOBRE DISPOSITIVOS DO PROJETO DE LEI
Art. 1º, § 1º
No caso dos municípios, a existência ou não de sistema de controle interno próprio em cada um dos Poderes depende da forma como está redigido, na Constituição Estadual, o artigo equivalente ao 31, da C.F. Na maior parte dos casos faz referência ao SCI do Município, abrangendo ambos os Poderes.
Art. 2º - caput
Talvez seja mais apropriado referir-se ao órgão central do sistema de controle interno, para não induzir ao entendimento equivocado de que o sistema é uma unidade.
Art. 3º - inciso I
Entendo como fundamental deixar claro que, no exercício dos controles internos da gestão (ou controles administrativos ou controles primários), todas as unidades da estrutura organizacional passam a integrar o sistema de controle interno na qualidade de Unidades Executoras do SCI.
§ 2º
Seria mais apropriado referir-se ao responsável pelo órgão central do SCI...
Art. 4º - caput
Seria mais apropriado mencionar que o órgão central do SCI...
Art. 5º
Seria importante incluir disposição mencionando a necessidade de se exigir um perfil e conhecimentos mínimos necessários para o desempenho da função.
CAPÍTULO III (título) e art. 8º
Seria mais apropriado utilizar a expressão “sistema de controle interno”.
Art. 9º
Inciso VII
Entendo que a primeira parte da redação deve ser deslocada para um inciso do art. 8º.
Entendo também que a apuração de responsabilidades não deve ser de competência do órgão central do sistema, para não confundir os papeis. É efetuada pelas funções de corregedoria e/ou através dos instrumentos próprios (processos administrativos, sindicâncias, tomada de contas especial, etc.) e respectivas comissões, nas quais não deve haver a participação de integrantes do órgão de controle.
Inciso XV
Sugiro iniciar com: “Propor ações voltadas à capacitação...”
§ 1º
Sugiro completar com: “... caso as medidas não tenham sido adotadas satisfatoriamente”.
§ 3º
Entendo que cabe ao gestor do órgão central do SCI alertar e orientar a autoridade máxima sobre as situações constatadas, mas a aplicação das sanções deve recair sobre esta autoridade e não ao titular do órgão central.
Art. 10
Caput
A expressão “... baseada em evidencia...” pode ser suprimida, pois aplica-se à função de auditoria interna e não ao controle preventivo.
Inciso III
Vide comentário ao Inciso VII do art. 9º.
Art. 11
Caput
Sugiro excluir a expressão: “... as seguintes atribuições”
Após o art. 13
Talvez seja importante inserir um artigo mencionando que “As funções de ouvidoria, transparência, correição e gestão de riscos concorrem diretamente para a eficácia do sistema de controle interno, mas podem ser exercidas por unidades diferentes daquela que atuará como órgão central do sistema, devendo ficar estabelecidas as interações destas com o órgão central do SCI” (ou redação equivalente).
Esperando ter prestado alguma colaboração, fico à disposição para qualquer esclarecimento.
Em 26 de agosto de 2019.