1 - INTRODUÇÃO
Tomando como base o disposto no inciso IV, do art. 74, da Constituição Federal, que inclui dentre as competências do Sistema de Controle Interno (SCI) a de: “Apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional”, os Tribunais de Contas estão cada vês mais imputando novas responsabilidades à unidade que atua como órgão central do Sistema, sem considerar que esta é apenas uma das competências do SCI.
No caso do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC), por exemplo, isto fica bastante evidenciado na Instrução Normativa TC N.0020/2015, a qual estabelece critérios para organização e apresentação da prestação de contas anual e normas relativas à remessa de dados, informações e demonstrativos por meio eletrônico. Mas a maior parte dos Tribunais de Contas tem baixado normas desta natureza.
A postura da maior parte dos Tribunais de Contas em relação ao apoio do controle interno ao controle externo vem gerando algumas dúvidas, tais como:
- a) Os Tribunais de Contas teriam competência para normatizar procedimentos (e criar obrigações) para as unidades de Controle Interno Municipais e Estaduais?
- b) Com a edição destas normas, não estariam os Tribunais de Contas buscando transferir aos jurisdicionados a execução de atividades que lhe competem?
- c) O que se caracteriza e quais são os limites do “apoio do controle interno ao controle externo no exercício de sua missão institucional”?
2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO (SCI)
Embora o art. 70 da Constituição Federal tenha aplicação direta ao âmbito da União, serve de referencia, como regra geral, também aos Estados, já que é traduzido para este âmbito nas respectivas constituições estaduais e igualmente aos Municípios, neste caso, combinado com o art.31. Um aspecto importante é que o art. 70 insere no âmbito da fiscalização, além das questões contábeis, financeiras, orçamentárias e patrimoniais, a fiscalização operacional, significando dizer que deve haver controle em qualquer operação executada na esfera pública, seja de caráter finalístico ou de apoio.
Por isso mesmo, determina que essa fiscalização seja exercida, além do controle externo, pelo Sistema de Controle Interno, e não por uma unidade de controle interno. O que faz completo sentido, pois diante de sua limitação, por maior que fosse sua estrutura, uma única unidade central de controle não conseguiria efetivamente controlar, no dia a dia, todas as operações da Instituição.
As ações de fiscalização em âmbito interno, a que se referem os dispositivos legais mencionados, portanto, são de responsabilidade também do Sistema de Controle Interno, na forma de um autocontrole exercido por todas as unidades que respondem pelos diversos assuntos, segundo a sua natureza; sem prejuízo, naturalmente, dos controles centralizados, de responsabilidade do órgão central do sistema, como a Controladoria Interna (ou denominação equivalente), no caso de um Município.
Desta forma, ao incluir no âmbito da fiscalização a natureza operacional das instituições, essa ação de fiscalização é expandida para todas as unidades, as quais possuem, efetivamente, as condições de exercer os devidos controles, mediante adequados controles administrativos de caráter preventivo, em geral estabelecidos para mitigar riscos.
Depreende-se, então, que deve haver controle (por parte do controle externo e do interno) sobre qualquer operação, seja ela relacionada a atividades finalísticas ou de apoio. Também os objetivos do controle não ficam limitados à questão da legalidade dos atos; devem fiscalizar a busca da eficiência, eficácia e economicidade na gestão dos recursos públicos por parte dos órgãos e entidades sob sua supervisão.
É preciso, portanto, repensar a questão do controle interno na Administração Pública. É necessário visualizar o controle mais como um sistema e menos como atividade da competência de única unidade (Controladoria-Geral ou equivalente) e passar a considerar o SCI como um instrumento de apoio, que se soma às demais ações voltadas à eficiência da gestão pública.
A adesão a esta proposta pode ser facilitada na medida em que for aplicado o próprio conceito de sistema, o qual, da forma mais simplificada, pode ser entendido como um conjunto de partes que, de modo coordenado, concorrem para a obtenção de algum objetivo ou situação; o que se aplica ao SCI, onde o objetivo é o fortalecimento dos mecanismos de controle interno.
Por analogia, se uma orquestra sinfônica fosse visualizada como um sistema, o maestro, como responsável pela regência, seria equivalente ao órgão central do SCI e cada um dos músicos uma unidade executora dos controles. O sucesso do concerto, que é o grande objetivo da orquestra, somente será assegurado se o maestro for competente em sua atividade e se cada músico cumprir à risca o seu papel, de maneira harmoniosa.
Da mesma maneira, se o órgão central do SCI passar as orientações necessárias às unidades e coordenar adequadamente as atividades afetas ao sistema e, por sua vez, as diversas unidades, da mesma forma como os músicos da orquestra, cumprirem à risca os controles de sua competência, os objetivos do SCI serão assegurados.
Assim, além dos conceitos consagrados na doutrina, com uma conotação técnica também pode-se conceituar o Sistema de Controle Interno como sendo: um conjunto de procedimentos de controle especificados em instrumentos normativos próprios, executados no dia a dia ao longo da estrutura organizacional, visando salvaguardar os ativos, a busca da eficiência operacional, o cumprimento das normas legais e regulamentares e a exatidão e fidedignidade dos dados e informações.
A partir deste conceito, verifica-se que o controle interno de um município ou de qualquer órgão público não é exercido isoladamente por uma pessoa, ou mesmo por um departamento integrante da estrutura organizacional, mas sim, por todos aqueles que respondem pelas diversas operações, em especial os que têm funções de comando.
Desta forma, não existe a figura do responsável pelo controle interno; todos são responsáveis, cada um em relação à sua área de atuação. Existe, sim, a figura do responsável pelo órgão central do Sistema de Controle Interno ou pela Unidade de Coordenação do Controle Interno – UCCI (Controladoria-Geral ou denominação equivalente), formalmente constituída, a qual, por imposição legal, deverá assumir, também, o exercício de alguns controles relevantes e desenvolver a atividade de auditoria interna. Motivo de não proceder a responsabilização a Titular de Controle Interno, por atos da competência de terceiros ou por não ter sido apurada eventual irregularidade, em avaliações feitas - em regra - por amostragem.
3 – O ÓRGÃO CENTRAL DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO
Independentemente da denominação que lhe for atribuída (Controladoria Geral, UCCI, UCI, Auditoria Interna, etc.) o órgão central do Sistema de Controle Interno é a unidade que detém a competência para responder pelo assunto no âmbito da instituição.
Havendo um órgão central, pressupõe-se a existência de órgãos setoriais (ou unidades executoras do SCI), residindo aí uma diferença entre o que ocorre com a estrutura de controle da União e dos Estados com a realidade dos Municípios de menor porte, assim como, dos órgãos integrantes dos três Poderes dos Estados, vistos de forma isolada. Enquanto, na estrutura da União e dos Estados, as unidades integrantes do SCI são formalmente instituídas, nos Municípios pequenos deve haver, no mínimo, uma unidade na estrutura organizacional com, ao menos, um cargo devidamente formalizado, que atue como órgão central. Já as unidades executoras do sistema são as próprias unidades integrantes da estrutura organizacional, que assumem o dever de seguir as orientações atinentes ao SCI..
Contudo, nos Municípios de grande porte, nada impede, se justificável, que os órgãos setoriais de controle sejam, também, formalmente institucionalizados, ficando geralmente subordinados a cada secretaria municipal e vinculados, tecnicamente, ao órgão central do SCI. A constituição oficial dessas unidades lhes assegura o status de “órgãos setoriais” do sistema, enquanto que, não havendo tal formalização, é tecnicamente mais adequado que as unidades sejam identificadas como “unidades executoras” do SCI.
No caso, o órgão central do Sistema de Controle Interno é a unidade constituída para, dentre outras competências, viabilizar a implementação e exercer a coordenação do Sistema, cuja operacionalização, através do exercício dos procedimentos de controle que forem estabelecidos, será exercida por todas as unidades integrantes da estrutura organizacional, como unidades executoras (ou setoriais) do Sistema.
Neste sentido, a responsabilidade básica dessa unidade central é a de promover e coordenar o funcionamento do Sistema, exercer alguns controles essenciais e, através da atividade de auditoria interna, avaliar a eficiência e eficácia dos demais controles, e, desta maneira, apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. Já a responsabilidade primária pelo exercício das atividades de controle inerentes às suas atribuições recai sobre as diversas unidades da estrutura organizacional.
4 – AS NORMAS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
É necessário que não se confunda a expressão "apoiar o controle externo", originária do inciso IV, do art. 74 da CF, com "apoio às atividades de controle externo exercidas pelo Tribunal de Contas”, conforme consta em normas de alguns Tribunais de Contas.
A análise da base legal sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, dos Estados e dos Municípios, permite depreender que esta atividade decorre da conjugação das ações de controle externo e de controle interno. Portanto, não existe hierarquia entre os controles externo e interno, mas, sim, complementação.
Forçoso reconhecer que o controle externo, graças ao aparato jurídico que o cerca, é mais contundente que o interno, no tocante à parte cabível aos Tribunais de Contas, em decorrência do seu exercício das funções condenatória e sancionatória. Já o controle interno possui a vantagem de ter contato mais próximo com o objeto controlado. Diferentemente do controle externo, assume um papel mais voltado para a gestão do que sobre a gestão; em especial, orienta suas ações para o exercício do controle preventivo de forma sistêmica.
Não restam dúvidas de que a atribuição que ao controle interno foi designada pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, no sentido de "apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional" (diferente de "apoiar as atividades do controle externo exercidas pelo Tribunal de Contas");aumenta a responsabilidade e dá maior força à atuação da unidade de controle interno. Mas, por outro lado, atribui-lhe um caráter fiscalizador, o que colide frontalmente com o enfoque de órgão de assessoramento da Administração.
Além das disposições constantes das Constituições Federal e Estadual e demais legislação que trata do assunto, existem as normas relacionadas à atuação do controle interno nas unidades jurisdicionada dos respectivos Tribunais de Contas. Neste âmbito, porém, devem respeitar a autonomia constitucional assegurada a cada Município para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I[1], da C.F.) - princípio a ser respeitado também no tocante à normatização do Sistema de Controle Interno. Invariavelmente esta legislação inclui, dentre as finalidades do controle interno, a de apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional, especificando, a partir daí, as atividades a serem desenvolvidas neste sentido.
Portanto, ao legislador municipal é que cabe dispor sobre o SCI do respectivo ente federado, é ele que detém a competência para definir a forma de funcionamento do próprio Sistema e as atribuições de seu órgão executante, incluindo a maneira pela qual deve prestar o apoio ao controle externo. Esta competência fica bastante evidente, já que a redação do art. 31, da CF é concluída com a expressão: “...na forma da lei”, que, neste caso, é a lei municipal.
Da pesquisa a inúmeras leis municipais sobre o respectivo Sistema de Controle Interno, verifica-se que a grande maioria tipifica adequadamente a forma como se dará o apoio ao controle externo e a responsabilidade da unidade que atua como órgão central do Sistema em relação a isso. Mas além dessas atividades específicas, esta unidade desempenha o papel de órgão de coordenação e monitoramento do Sistema de Controle Interno, assegurando-lhe eficácia, o que já é, talvez, a melhor maneira de apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. Isto porque, uma vez inseridos nos processos os necessários controles preventivos sobre os atos de gestão, o foco da fiscalização externa pode ser direcionado a outros patamares.
Ainda em relação aos municípios, o art. 31 da C.F. não confere aos Tribunais de Contas a titularidade do controle externo - que é da Câmara de Vereadores; nem a atribuição de editar ato normativo que defina a forma de se instituir, organizar e funcionar dos órgãos de controle interno.
Fica evidente, pois, que o apoio do controle interno será prestado ao titular do Controle Externo, ou seja, no caso dos Municípios, as Câmaras Municipais e, desta forma, apenas o titular do Poder Legislativo dispõe de capacidade originária para ditar normas sobre a matéria em comento, pois ele é o órgão competente para tanto.
Daí, também ser questionável a eficácia de normas dos Tribunais de Contas, principalmente estabelecidas através de resoluções que estabelecem competências para os órgãos de controle interno, com disposições destinadas a dar sustentação às suas exigências, em especial que tratam das informações a serem juntadas às prestações de contas anuais. Disposições do tipo:
"Art. xx. Em apoio ao controle externo, os órgãos de controle interno devem:
(...)"
É pertinente, no entanto, que os Tribunais de Contas estabeleçam algumas orientações de caráter operacional, para padronizar a organização e forma de apresentação das prestações de contas e definir o tipo de informações que deverão ser incluídas nos relatórios. Logo, estas não servem de amparo para que sejam estabelecidas atividades, extensão de exames e outras obrigações a cumprir, pelos órgãos de controle interno dos jurisdicionados. Exames estes que, em princípio, devem ser executados rotineiramente pelas unidades técnicas do próprio Tribunal, visando à emissão de parecer prévio sobre contas anuais, em auxilio ao Poder Legislativo, no exercício do controle externo.
Outro aspecto que se tem constatado é que, ao estabelecer estas obrigações, muitas vezes o Tribunal tem se fixado em parâmetros inerentes ao Estado ou a Municípios de grande porte, olvidando a real capacidade de estruturação das unidades de controle interno na grande maioria dos municípios, de reconhecidas limitações. Ignorar esta questão é afrontar o princípio da razoabilidade, bem como o do almejado equilíbrio do custo-benefício na adoção de medidas administrativas - inclusive no tocante à extensão de controles a serem praticados.
Neste contexto, ao invés de centrar a atenção no órgão central de controle interno dos jurisdicionados, imponde-lhes cada vez mais atribuições e responsabilidades, poderiam os Tribunais de Contas passar a exigir dos gestores, com maior ênfase, a institucionalização de um efetivo Sistema de Controle Interno, na forma que já foi apresentada no item 2, onde a unidade central é apenas um dos componentes do Sistema.
Se a lei local e respectivo ato de regulamentação definir com clareza a forma de funcionamento do SISTEMA, assim como, o papel do órgão central e das unidades executoras dos controles, não há porque exigir do órgão de controle interno a realização de atividades que vão além de suas condições e competências. São as próprias unidades executoras, as quais detêm o conhecimento da legislação e dos processos, que devem exercer os controles administrativos necessários.
A inversão desta ordem é prejudicial à instituição, simplesmente pelo fato de não existir forma de se executar um adequado controle preventivo em todas as atividades relevantes de forma centralizada, por maior que seja a estrutura do órgão central de controle. Outrossim, esta prática provoca diluição de responsabilidades e a perda da independência do órgão de controle interno para o exercício da atividade de auditoria interna, esta sim de sua competência, a ser exercida com independência e segundo planejamento anual próprio; nos limites dos recursos humanos disponíveis e/ou conforme as circunstâncias exigirem. Também não cabe aos Tribunais de Contas determinar às unidades de controle interno a programação de auditorias para atender aos fins que são dele próprio, já que a legislação não o autoriza a repassar a terceiros sua competência constitucional de realizar as auditorias, precisas às suas finalidades institucionais.
Além da questão legal, essas normas dos Tribunais de Contas, ao criar competências que só poderiam se dar por meio de Lei, impõem aos jurisdicionados um aumento de despesas, diante da ampliação de atribuições das unidades de controle interno, pela consequente necessidade de contratação de mais profissionais. Não se pode ignorar, em especial no caso dos municípios, a grande dificuldade que já existe para a nomeação e manutenção de profissionais para exercerem atividades nestas unidades, considerando o infindável aumento do nível de atribuições e de responsabilidades que lhes são impostas.
5 - CONCLUSÃO
Diante da análise, pode-se opinar sobre os questionamentos apresentados no item 1, nos seguintes termos:
- a) Os Tribunais de Contas teriam competência para normatizar procedimentos (e criar obrigações) para as unidades de Controle Interno Municipal e Estadual?
As competências, responsabilidades e atribuições das unidades de controle interno, tanto as que atuam como órgão central ou como unidades executoras (ou setoriais) do Sistema de Controle Interno, são estabelecidas na legislação local. As obrigações e a forma de funcionar do SCI, com os respectivos procedimentos, são detalhadas nos atos de regulamentação da lei local, inclusive quanto ao que deve ser executado em apoio ao controle externo.
Obviamente, essa legislação deve incorporar disposições constitucionais, da Lei Complementar nº 101/2000 e legislação federal aplicável, atinentes ao controle interno, assim como pode fazê-lo (embora nada obrigue a que seja assim) em relação à Lei Orgânica e Resoluções do respectivo Tribunal de Contas.
No que se refere, especificamente, à prestação de contas anual, que em geral é o principal objetivo das normas dos Tribunais aqui comentadas, destaca-se que as regras relacionadas às unidades de controle interno, constantes das Leis Orgânicas dos Tribunais, normalmente se restringem ao encaminhamento da prestação de contas anual de governo. Neste caso, estabelecendo “... critérios para a organização e apresentação da prestação de contas anual...” e detalhando “....o conteúdo dos relatórios e demais demonstrativos indispensáveis à sua formalização...”. Na expressão “conteúdo dos relatórios” obviamente deve ser entendido como sendo somente o tipo de informação a ser prestada. A definição da abrangência e extensão dos exames necessários para gerar a informação já se caracterizaria como ingerência indevida a Corte de Contas sobre os jurisdicionados.
- b) Com a edição dessas normas, não estariam os Tribunais de Contas buscando transferir aos jurisdicionados a execução de atividades que lhe competem?
Nada impede que as normas dos Tribunais de Contas contenham matérias que se coadunam com as responsabilidades e competências do Sistema de Controle Interno, em regra previstas na legislação local e que, por conseguinte, devem ser objeto de acompanhamento pelo órgão central do sistema, de forma a assegurar fiscalização sobre elas. Basicamente são matérias contempladas como da abrangência do SCI nas disposições constitucionais, na Lei de Responsabilidade Fiscal (art.59) e na legislação municipal.
O que merece melhor avaliação são as regras para a composição do conteúdo dos chamados "Relatório do Órgão de Controle Interno sobre a Prestação de Contas de Gestão", a ser elaborado pelos órgãos centrais do SCI de todos os municípios, na grande maioria dos quais, de estrutura reduzida, muitas vezes limitada a apenas uma pessoa. Em vários casos, algumas atividades a serem desenvolvidas para poder prestar essas informações são de competência do próprio Tribunal de Contas, de execução através de inspeções, auditorias e fiscalizações, conforme estabelecido na sua Lei Orgânica.
A despeito de o mandamento constitucional prever que o Sistema de Controle Interno, entre as suas finalidades, deve apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional, é evidente que isso não significa que a Corte de Contas possa passar a outrem as próprias competências de controle externo, estabelecidas na Carta Magna e na legislação infraconstitucional; em face do princípio da legalidade ínsito no art. 37, caput, da C. F.
Neste caso, consoante o raciocínio desenvolvido ao longo deste estudo, pode-se dizer que, se apresentar exigências que vão além de sua competência e criar obrigações que, na forma como forem redigidas, demandem as unidades de controle interno a executar exame de 100% das operações ou situações vinculadas a certas matérias, o Tribunal de Contas estaria, de certa forma, transferindo atividades de sua competência legal.
Destaque-se, também, que essas atividades, quando impostas ao órgão central do Sistema de Controle Interno, afrontam o princípio básico do controle interno da segregação das funções, pois em diversos casos se requer a função executiva, o que incompatibiliza a participação de quem tem o encargo de fiscalizar; ou ainda, envolvem atribuições ou competências que legalmente foram atribuídos a outros órgãos ou entidades da instituição.
Evidencia-se, neste caso, a ausência de uma visão sistêmica do controle interno, deixando a impressão de que apenas um órgão da estrutura deveria responder por todos os controles necessários; condição que demandaria uma superestrutura e conhecimentos aprofundados sobre toda a diversidade de matérias tratadas na Administração Pública - o que, obviamente, é impossível.
Parece-nos que ao invés de os Tribunais de Contas se valerem da expressão "apoio ao controle externo", para direcionar a execução de suas ações às unidades de controle interno e impor-lhes obrigações outras que não as que a legislação aplicável prevê; poderia ser mais incisivo em demonstrar aos Administradores ser motivo de agravamento de sua responsabilidade por eventuais impropriedades encontradas nas respectivas contas, a sua negligência em estruturar e operacionalizar eficiente Sistema de Controle Interno, como instrumento assecuratório de contínua avaliação da gestão pública.
Neste artigo estão sendo apresentadas as inúmeras vantagens desta alternativa, que culmina com o fortalecimento dos controles nas instituições públicas, aspecto que deve ser o objetivo comum dos controles interno e externo.
- c) O que se caracteriza e quais são os limites do “apoio do controle interno ao controle externo no exercício de sua missão institucional”?
Ao definir o que entende como apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional e estabelecer os procedimentos a serem adotados em relação a esta questão, a legislação local (de cada Poder/Órgão do Estado e de cada Município), com a respectiva regulamentação sobre a forma de funcionamento do seu SCI, considera os limites e condições para a atuação, neste particular, da unidade que irá atuar como órgão central do Sistema.
As funções de controle interno e de controle externo estão previstas na legislação constitucional e infraconstitucional, para cumprimento de órgãos, em esferas de governo distintas, no âmbito da própria autonomia constitucional e para atender aos seus objetivos. Daí, o controle interno, exercido de forma sistêmica nos Entes Federativos, ter competência constitucional própria. De seu trabalho e da forma que disciplinar sua legislação específica, resultarão elementos de apoio para o Poder Legislativo exercer o controle externo, com auxílio do Tribunal de Contas.
A Constituição não prevê que o controle interno deva executar aquilo que originariamente é da competência do controle externo. Reza que o Sistema de Controle Interno (não órgão) tem por fim apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional; ou seja, cabe ao Ente Federativo se estruturar de maneira a que, do conjunto sistêmico do respectivo controle interno, resultem subsídios em que possa o controle externo se apoiar para alcançar o cumprimento de seus objetivos institucionais. Nenhuma norma da Lei Maior dá margem a se inferir caber a órgão de controle interno executar, sob regime de subordinação, atividades que ela atribui à alçada do controle externo - seja do Poder Legislativo, seja do Tribunal de Contas; muito menos que estes possam definir a forma de atuar de órgão do controle interno.
Apoiar o controle externo é apenas uma das finalidades do Sistema de Controle Interno, cuja coordenação, supervisão e maior parte da execução se concentra no órgão central do Sistema. O SCI do Ente Federativo deve estruturar-se, em primeiro lugar, para cumprir o seu papel no processo de fiscalização (interna) e de acompanhamento das atividades da instituição, com o fito de apoiar a própria Administração. Isto se torna mais eficaz quando se opta pela implementação de um modelo que priorize os controles preventivos, inseridos nos processos de trabalho, com todas as unidades executando os devidos controles, enquanto cumprem suas atribuições.
O efetivo funcionamento do SCI com estas características já se constitui em apoio ao controle externo, posto que a existência de adequados procedimentos de controle nos pontos cruciais dos processos, de forma a mitigar riscos inerentes aos atos de gestão, pode possibilitar ao Tribunal de Contas um redirecionamento do seu foco de fiscalização.
Obviamente, na especificação das responsabilidades da unidade que atua como órgão central do SCI, não se pode deixar de incluir aquelas que a caracterizam como órgão centralizador do relacionamento com o controle externo, bem assim, de detalhar atividades tipicamente de apoio, imprescindíveis para a facilitação dos trabalhos do controle externo, como por exemplo, a centralização do encaminhamento de informações e dos contatos com o Tribunal de Contas, o acompanhamento dos processos e medidas decorrentes, etc.
No entanto, não é apropriado que esta unidade assuma responsabilidade integral pela fiscalização de todo o universo das atividades administrativo-contábil-financeiro-orçamentário-patrimoniais, até em respeito à relevância da independência que detém o controle externo em relação aos seus jurisdicionados. Neste sentido, a unidade que atua como órgão central do SCI, além de suas atividades relacionadas à implementação e supervisão dos procedimentos de controle preventivo, a serem executados pelas unidades, deve executar alguns macrocontroles sobre aspectos mais importantes e cumprir a um Plano Anual de Auditoria Interna. Este plano será elaborado com base em critérios previamente definidos e com abrangência/extensão limitada aos recursos humanos disponíveis.
Por todo o exposto, conclui-se que as normas que tratam desta matéria, de vários Tribunais de Contas, carecem de ajustes. Mas isto pode ser visto, também, como uma oportunidade para repensar a questão do Sistema de Controle Interno na Administração Pública e o verdadeiro papel da unidade que atua como órgão central do Sistema; em especial no que tange ao apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional. É preciso visualizar o controle interno mais como um SISTEMA, na sua exata acepção, e menos como atividade de competência de uma única unidade (Controladoria-Geral ou equivalente).
É momento de o assunto ser amplamente debatido, a partir da mobilização dos titulares dos órgãos de controle interno, através dos colegiados de Controladores Internos e Associações de Municípios.
Livro de referência:
Glock, José Osvaldo. Sistema de Controle Interno na Administração Pública. José Osvaldo Glock./ 2ª edição./ Curitiba: Juruá, 2015.