Este artigo procura demonstrar as vantagens que podem ser proporcionadas por esta simbiose entre os dois instrumentos de controle da administração pública.
O Sistema de Controle Interno instituído nas organizações públicas por força dos artigos 31 (municípios), 70 e 74 da CF, além de seu papel de fiscalização e de apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional (art. 74, IV), deve ser visto como um instrumento de auxílio à própria gestão. É preciso consolidar o entendimento de que
... não há hierarquia entre os controles externo e interno, há complementação. Diferentemente do controle externo, o controle interno assume um papel mais voltado PARA A GESTÃO do que SOBRE A GESTÃO, por ter a possibilidade de exercer o controle PREVENTIVO.
Mas para exercer esse papel, o Sistema de Controle Interno deve ser configurado com uma abrangência ampla, contemplando de forma institucionalizada todo o processo de controle da instituição, em seus diversos momentos, níveis e segmentos, ou seja, deve atuar com uma abordagem preventiva e descentralizada, na forma de um sistema em sua exata acepção.
Sua estrutura e a base normativa deve propiciar que os controles preventivos sejam estabelecidos por processos de trabalho (visão horizontal) agrupados em sistemas administrativos, sendo especificados num conjunto de instruções normativas que poderão compor um Manual (virtual) de Rotinas Internas com Procedimentos de Controle. Um dos pontos fortes dessa visão sistêmica está no fato de que o órgão central de cada sistema administrativo tem a prerrogativa, com o respaldo de um sistema institucionalizado, de estabelecer regras gerais e procedimentos de controle a serem observados por todas as unidades que interagem nos processos de trabalho de sua competência.
Mas esta forma de estruturação é possível e viável? A resposta é afirmativa. Trata-se de um modelo que já vem sendo adotado há vários anos, em especial em âmbito municipal, onde se destaca o pioneirismo do Estado de Mato Grosso. Em 2007 o Tribunal de Contas daquele Estado editou um guia de orientação aos seus jurisdicionados, em cuja elaboração tivemos a oportunidade de colaborar, uniformizando o entendimento do assunto nos municípios e dos três Poderes do Estado. Esse guia se tornou referência para outros Tribunais de Contas estaduais, além de que alguns aspectos do modelo proposto no mesmo foram considerados nas Diretrizes de Controle Externo da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), relativas ao tema controle interno.
Para se ter uma ideia da pertinência do modelo apresentado no Guia do TCE-MT, no Estado do Espirito Santo, onde o Tribunal de Contas reproduziu o mesmo teor e o aprovou através da Resolução TC 227, de 25.08.2011, quando de uma avaliação do Banco Mundial sobre o SCI do Poder Executivo Estadual foram divulgadas informações no sentido de que:
O modelo proposto pelo Tribunal se assemelha ao adotado como condição para países como Croácia e a Bulgária se unirem à Comunidade Europeia. Isso porque propiciava a modernização de seus sistemas de controle, tornando-os descentralizados e adotando a doutrina mundialmente aceita das três linhas de defesa, para permitir maior eficiência e eficácia na gestão pública.
O fato é que, cada vez mais, vem se consolidando em todo o País a compreensão de que a expressão “Sistema de Controle Interno”, diante da redação dos artigos 70 e 74 da Constituição Federal, não deve ter entendimento limitado de que se trata de um instrumento de controle contábil, orçamentário e financeiro, onde o controle interno seria apenas um conjunto de funções tipicamente fiscalizatórias. Em consonância com as normas internacionais, essa visão sistêmica, mais ampla do controle interno, vem tomando corpo em nível nacional.
Assim, tanto em termos técnicos como legais e normativos, está ocorrendo um processo de migração de uma ótica de controle centralizado para uma visão sistêmica, com a gradativa mudança de um foco exclusivamente na conformidade para o da gestão administrativa. O próprio Tribunal de Contas de União já emitiu vários Acórdãos com recomendações para que sejam realizados estudos com vistas a desenvolver um “sistema de controle interno orientado ao risco e à governança”.
Tudo leva ao fortalecimento dos controles internos de gestão, também identificados como controles administrativos ou controles primários, exercidos em caráter preventivo e necessários para mitigar riscos. Um dos principais objetivos deste processo de aprimoramento pelo qual o Sistema de Controle Interno vem passando é consolidar uma cultura de atenção a riscos e controles nas instituições.
O que se busca é assegurar que nos processos de trabalho, gradativamente sejam estabelecidos e operacionalizados procedimentos de controle necessários para mitigar todas as situações de riscos significativos, considerando também os aspectos de compliance, sob as óticas da conformidade e da integridade.
O aprimoramento do SCI pode ser ampliado através da criação de Indicadores de Controle Interno por sistemas administrativos, sendo alguns com a finalidade de monitorar o nível de adesão aos procedimentos de controle estabelecidos e, assim, monitorar os próprios riscos e outros para subsidiar a gestão, quando são estabelecidos para identificar a possibilidade de os objetivos de uma atividade ou processo de trabalho não serem atingidos com eficiência e eficácia, bem como, a necessidade de ações administrativas para a correção de rumo.
Com a estruturação dessas inovações, o Sistema de Controle Interno passa a atuar efetivamente segundo a doutrina mundialmente aceita das três linhas de defesa, para permitir maior eficiência e eficácia da gestão, onde a simetria fica caracterizada da seguinte forma:
I - na primeira linha: pelo fortalecimento dos controles administrativos, ou controles da gestão, mediante a estruturação dos controles com abordagem horizontal, por processos de trabalho agrupados por sistemas administrativos; estabelecidos mediante metodologia que prevê a identificação e avaliação de riscos e especificação dos procedimentos de controle em instruções normativas do SCI.
II - na segunda linha: pelo monitoramento da efetividade dos procedimentos de controle a partir dos Indicadores de Controle Interno, ação de responsabilidade dos órgãos centrais de sistemas administrativos com acompanhamento da Unidade de Controle Interno, sendo que tais indicadores podem ser constituídos também para prover suporte à gestão, indicando situações que requerem correção de rumo.
III - na terceira linha: pela atividade de auditoria interna e correlatas, exercidas com independência pela Unidade de Controle Interno adequadamente estruturada.
Este aperfeiçoamento de todo o processo de controle, onde os controles internos de gestão são fortalecidos, propicia também um ganho de qualidade nas funções de auditoria interna e correlatas, bem como, no apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional. Neste sentido, a expressão “controle externo” referida no inciso IV, do art. 74 da Constituição Federal, deve ser entendida como um instrumento de controle (a exemplo do que é o controle interno) e não pode ser confundida com a figura do Tribunal de Contas, que é um agente de controle externo.
Com este raciocínio, apoiar o controle externo não significa assumir atividades ou competências que são exclusivamente deste. O apoio se dá na medida em que o Sistema de Controle Interno se torna cada vez mais eficiente e eficaz, pois em última análise, a boa gestão do erário, a observância das normas legais e regulamentares, a proteção ao patrimônio público e demais objetivos de controle são também a razão de ser de ambos os agentes de controle (interno e externo) e é exatamente a busca desses objetivos comuns que caracteriza uma espécie de parceria entre ambos.
Para consolidar essa parceria, os Tribunais de Contas estaduais podem exercer um papel fundamental para que os órgãos públicos, em especial no âmbito dos municípios, passem a explorar este verdadeiro tesouro, que um Sistema de Controle Interno com atuação preventiva e descentralizada, atuando como um instrumento de eficiência, eficácia e, principalmente, de tranquilidade da gestão quanto à legalidade e regularidade em suas operações.
Ao exercer com firmeza a fiscalização do cumprimento, por parte dos gestores públicos, da norma legal que exige a institucionalização do Sistema de Controle Interno e das orientações do próprio Tribunal a respeito das condições para a efetiva operacionalização do Sistema, incluindo a estruturação ao da unidade que irá atuar como órgão central, questões relacionadas ao cargo de Controlador Interno (ou denominação equivalente), criação de cargos efetivos de auditores internos, etc., está também promovendo a valorização do trabalho dos que atuam neste segmento.
Some-se a isso as atividades de conscientização, motivação e capacitação relacionadas ao controle interno, tanto voltadas aos gestores públicos como também aos servidores, o que pode incluir a elaboração de um Guia de orientação para a adequações a serem realizadas no Sistema de Controle Interno de seus respectivos jurisdicionados, de forma que passe a atuar conforme a abordagem que comento neste artigo.
É uma oportunidade para consolidar as orientações eventualmente já expedidas, considerando o próprio processo de evolução desta matéria. No caso dos municípios, ainda que a maior parte ainda não se utilize de recursos mais sofisticados de gestão, é fundamental, ao menos, a adoção da prática de identificação e avaliação de riscos para a definição dos procedimentos de controle, com o envolvimento de todas as unidades nesse processo, sendo este um aspecto a ser enfatizado no guia.
Constata-se que existe um bom nível de maturidade e conscientização por parte dos controladores internos (ou denominação equivalente) dos municípios em relação à relevância de suas atividades e do próprio Sistema de Controles Interno, mas em geral isso não é correspondido na visão dos agentes políticos, secretários municipais e demais agentes administrativos. Para a maioria deles, infelizmente ainda não está claro que o Sistema de Controle Interno, além de seu papel de fiscalização e de apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional, deve ser entendido como um meio de auxílio à própria gestão.
Desta forma, além da orientação técnica a ser refletida no guia acima mencionado, seria importante o desenvolvimento de algumas ações, por parte dos tribunais de contas estaduais, de cunho informativo e motivacional, dirigidas aos senhores prefeitos, presidentes de Câmara de Vereadores, secretários municipais e a qualquer servidor público ou cidadão interessado no tema.
Essas orientações seriam iniciativas consoantes com as Diretrizes que constam do Anexo à Resolução Atricon 05/2014 (“Controle interno: instrumento de eficiência dos jurisdicionados”), em especial nos seu item 28, mas os controladores internos, individualmente ou através de grupos, órgãos de representação, etc., também podem exercer um importante papel, pleiteando e colaborando com a concretização dessas ações dos tribunais de contas.
Portanto, independentemente do que o controle externo pode fornecer nesse processo de valorização do trabalho exercido pelos controladores internos, seja na forma de orientação como no próprio processo de fiscalização do cumprimento, por parte dos gestores, das orientações sobre as condições mínimas para o exercício de suas atividades, também é fundamental a postura e o desempenho dos próprios controladores em seus respectivos órgãos.
No caso dos municípios, em especial neste ano de 2020, um aspecto importante que pode ser utilizado como argumento junto aos prefeitos e presidentes de Câmara de Vereadores é o fato de que, sendo um “ano eleitoral”, afigura-se uma grande oportunidade para estes que deixem marcado na história de seus municípios a ideia de que exerceram uma administração realmente comprometida com eficiência, eficácia, regularidade e legalidade em todos os seus atos, e que propiciaram condições para o controle interno exercer adequadamente o seu papel na busca desses objetivos.
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