1. Resumo
O objetivo principal da Proposta de Emenda à Constituição 45/2009 é o fortalecimento dos controles internos nas organizações públicas. Mas isto somente vai ocorrer efetivamente quando, além da interação entre as funções mencionadas no texto do novo dispositivo constitucional e da criação de carreiras especificas para servidores que atuarão no órgão central de controle, haja a obrigatoriedade da institucionalização de um Sistema de Controle Interno na sua exata acepção, envolvendo todas as unidades no processo de controle.
Este aspecto não está evidenciado na redação do novo inciso proposto para o art. 37 da CF, que se encontra em análise pelo Senado Federal (em janeiro de 2017), de forma as considerações aqui apresentadas podem, ainda, contribuir para uma melhor avaliação do tema.
2. A PEC 45/2009, sua abrangência, finalidade e forma de operacionalização nas organizações públicas.
A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 45/2009, na versão apresentada pela Senadora Ana Amélia, que se encontra pronta para deliberação do Plenário do Senado Federal desde julho de 2016 (situação em abril de 2107) possui a seguinte redação:
XXIII – as atividades do sistema de controle interno, previstas no art. 74, essenciais ao funcionamento da administração pública, contemplarão, em especial, as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, e serão desempenhadas por órgão de natureza permanente, e exercidas por servidores organizados em carreira específica, na forma de lei complementar, e por outros servidores e militares, devidamente habilitados para essas atividades, em exercício nas unidades de controle interno dos Comandos militares.
A redação, estranhamente, invoca somente o art. 74, da CF, e não faz referencia ao art. 70, os quais são duplicados nas Constituições Estaduais, e que dispõem:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - ...
No que tange aos municípios, a questão do controle interno é tratada no art. 31, o qual remete a cada um a incumbência de legislar sobre a matéria em seu âmbito.
Neste contexto, pode-se deduzir que a proposta do novo inciso do art. 37, da CF, teria aplicação direta no âmbito da União e dos Estados, abrangendo individualmente cada Poder e cada órgão, mas ao adotar a expressão genérica “administração pública”, deve servir de referência também aos municípios. Nestes, a legislação local que dispõe sobre o sistema de controle interno e sua regulamentação deverão sofrer as devidas adequações, de forma a refletir a forma de funcionamento do sistema de controle interno nos moldes a serem estabelecidos no futuro inciso XXIII do art. 37 da Constituição Federal.
Esta PEC 45, de autoria do então senador capixaba Renato Casagrande, é originária de estudos desenvolvidos pelo Conselho Nacional de Órgãos de Controle Interno dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios das Capitais – CONACI, e visa agregar num único conjunto todas as funções associadas à atividade de controle.
Prevê inscrever no texto constitucional regras sobre a organização das atividades do Sistema de Controle Interno (SCI), estabelecendo suas quatro macrofunções: auditoria, ouvidoria, controladoria e correição, além da organização dos órgãos de controle interno em carreira específica. O argumento predominante dos autores é que a colaboração entre os órgãos de controle e a determinação constitucional para atuação sistêmica podem constituir um marco fundamental no combate à corrupção e servir de modelo orientador com supremacia da técnica.
Dentre os argumentos apresentados na justificação, o autor da Proposta, com pertinência, sustenta que a menção ao Sistema de Controle Interno, por estar incluída no capítulo constitucional relativo à fiscalização, faz com que a prática jurídica e administrativa considere o controle interno com o simples mecanismo de fiscalização a posteriori, alheio à própria gestão. Ao inserir regulação do controle interno também em capítulo específico que trata da Administração Pública e, atribuindo-lhe o caráter de “função essencial para o fortalecimento da administração pública”, estar-se-ia corrigindo esta distorção. Menciona ainda que “A única garantia eficaz de controles econômica e administrativamente sustentável é um sistema que comece dentro da própria organização pública e esteja inserido dentro de sua rotina gerencial”.
No entanto, o texto do dispositivo proposto não reflete adequadamente esta intenção, já que faz referencia tão somente às funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, dando a entender que o sistema de controle interno, a que se refere os arts. 70 e 74 da Constituição Federal fica limitado a essas funções, eximindo a responsabilidade pelo exercício de controles por parte todas as demais unidades.
Neste sentido, entendemos que uma redação mais apropriada, que retrataria com maior precisão a abrangência do Sistema se Controle Interno, seria algo semelhante ao seguinte texto, onde já estão contemplados alguns adendos que foram acatados ao longo da tramitação do Projeto no Senado, com destaque aos aspectos mais relevantes:
“XXIII – as atividades do Sistema de Controle Interno, previstas nos arts. 31, 70 e 74, contemplarão, além dos controles administrativos de caráter preventivo, exercidos por todas as unidades da estrutura organizacional; as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, e serão desempenhadas sob a coordenação de um órgão central de natureza permanente, composto por servidores organizados em carreira específica, na forma de lei complementar, e por outros servidores e militares, devidamente habilitados para essas atividades, em exercício nas unidades centrais de controle interno dos Comandos militares.”
O Sistema de Controle Interno não pode deixar de contemplar as atividades de controle desenvolvidas por todas as unidades da estrutura organizacional, mediante a execução de procedimentos de controles preventivos, inseridos no processo de gestão e destinados a mitigar riscos de qualquer natureza. Ademais, o texto constitucional deve conclamar a todas as unidades que integram os órgãos públicos a participarem do processo de controle de maneira institucionalizada, como forma de prevenir situações de ilegalidades e irregularidades na administração.
Esta abordagem, inclusive, é compatível com as recomendações contidas nas Orientações Técnicas aprovadas das pelas Resoluções nºs. 04 e 05/2015 da ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil).
A referência, na redação do novo dispositivo, à participação de todas as unidades no processo de controle, fortalece o sentido de prevenção contra erros, fraudes ou ilegalidades, os quais, numa abordagem mais conservadora, somente iriam ser detectados a posteriori. Igualmente, por ser uma forma de funcionamento do SCI que já vem sendo adotada com êxito em diversos órgãos públicos, a redação, na forma proposta acima, poderia consolidar uma prática comum em todo o País.
Nesse contexto, as atividades de controle preventivo seriam coordenadas e monitoradas por um órgão central do sistema, que deve ser instituído pela legislação local, ao qual compete, também, integrar as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, independentemente da forma em que estiverem posicionadas na estrutura organizacional da instituição. As funções de controladoria e de auditoria governamental em geral já estão inseridas dentre as competências do órgão central do sistema. Já as funções de ouvidoria e de correição, passariam a ser exercidas de maneira integrada às atividades deste órgão central, ainda que sem vínculo hierárquico a este.
O Projeto de Lei do Senado nº 229, de 2009, Complementar, aprovado no Senado em junho de 2016 com a redação final trazida pelo Parecer nº 536, da Comissão Diretora, agregou disposições consoantes com a PEC 45/2009, tais como:
Art. 71. No cumprimento de suas finalidades institucionais, o sistema de controle interno abrangerá, integradas entre si, as seguintes funções específicas:
I – a ouvidoria, que fomentará o controle social e a participação popular, por meio do recebimento, registro e tratamento de denúncias e manifestações do cidadão sobre os serviços prestados à sociedade e sobre a adequada aplicação de recursos públicos;
II – a controladoria, que subsidiará a tomada de decisão governamental e propiciará a melhoria contínua da qualidade do gasto público, a partir da modelagem, sistematização, geração, comparação e análise de informações relativas a custos, eficiência, desempenho e cumprimento de objetivos;
III – a auditoria, como instrumento visando a prestação de contas, que avaliará ações implementadas pela administração pública segundo critérios previamente definidos e adequados, com o fim de expressar uma conclusão quanto ao funcionamento de políticas públicas para a gestão responsável e para a sociedade;
IV – a correição, que terá a finalidade de apurar os indícios de ilícitos praticados no âmbito da administração pública e de promover a responsabilização dos envolvidos, por meio dos processos e instrumentos administrativos tendentes à identificação dos fatos apurados, à responsabilização dos agentes e à obtenção do ressarcimento de eventuais danos causados ao erário.
Parágrafo único. As atividades previstas neste artigo não abrangem a orientação jurídico-normativa da administração pública direta, indireta e fundacional, a cargo dos órgãos de assessoramento jurídico competentes.
Art. 72. Compete a cada Poder, ao Ministério Público e à Defensoria Pública do ente da Federação definir a organização administrativa para o exercício das funções previstas no art. 71.
§ 1º A regulamentação de que trata o caput definirá a estrutura administrativa que exercerá o papel de órgão central do sistema de controle interno e o respectivo titular, observada sempre sua vinculação hierárquica e funcional direta ao titular do respectivo Poder.
§ 2º Na omissão da regulamentação de que trata o § 1º, o próprio titular de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública arcará com as responsabilidades atribuídas ao titular do órgão central do sistema de controle interno.
O aspecto mais positivo, porém, diz respeito ao fato de que este PLS reforça a obrigatoriedade de os gestores implementarem um efetivo Sistema de Controle Interno, em especial no § 1º de seu art. 65, quando define que “... é de competência do gestor o controle prévio da gestão”.
Igualmente, as finalidades do Sistema de Controle Interno, arroladas no art. 70 do mesmo PLS, em especial os incisos IV, V e VI, apontam para a necessidade do envolvimento de todas as unidades no processo de controle, atuando de forma integrada, sob a coordenação do órgão central do SCI, exatamente na forma que temos defendido e que será detalhada no tópico seguinte.
O parágrafo único, do art. 70, estabelece, ainda:
Parágrafo único. Compete aos Poderes e órgãos ou entidades mencionados no caput definir a estrutura e os arranjos organizacionais necessários para permitir o funcionamento integrado do sistema previsto neste artigo.
3. O funcionamento do SCI com enfoque preventivo e descentralizado.
Diante da iminente aprovação da PEC 45/2009, é importante refletir a respeito da comprovada conveniência da institucionalização e efetiva operacionalização de um Sistema de Controle Interno (SCI) em sua exata acepção, que enfatize controles preventivos, estabelecidos a partir de uma avaliação simplificada dos riscos inerentes aos processos e inseridos nas rotinas internas, mediante especificação em instrumentos normativos próprios.
Ocorre que, diante da ausência de regulamentação desta matéria de ordem constitucional, a grande maioria dos órgãos públicos tem se limitado a criar uma unidade para responder pelo controle interno, com os respectivos cargos, para dar cumprimento aos arts. 31 (no caso dos municípios), 37, 70 e 74 da CF, bem como, o art. 59, da LRF, sem, no entanto, envolver e responsabilizar as demais unidades em relação à questão do controle, na forma de um sistema.
Esta forma de funcionamento do SCI que temos proposto incentiva a participação de toda a estrutura organizacional quando da definição e execução dos controles internos, até porque é totalmente inviável a prática de controles preventivos de forma centralizada. Assim, sua operacionalização, inserida no processo de gestão, se transforma em eficiente instrumento de apoio. Além de assegurar a observância às normas legais e regulamentares e de apresentar inúmeros outros benefícios, pode se tornar num elemento de prevenção contra atos de corrupção, que são facilitados justamente pela ausência de regras e procedimentos de controle formalmente institucionalizados.
Na conceituação mais simplificada, sistema é um conjunto de partes que, de forma coordenada, concorrem para a obtenção de algum objetivo ou situação. No caso, o órgão central do Sistema de Controle Interno é a unidade constituída para, dentre outras competências, viabilizar a implementação e exercer a coordenação do sistema, cuja operacionalização, através do exercício dos procedimentos de controle que foram estabelecidos, será exercida por todas as unidades integrantes da estrutura organizacional, como unidades executoras do sistema. Neste contexto, cabe uma maior atenção à avaliação dos riscos associados aos objetivos do Sistema de Controle Interno, de forma a direcionar a implementação de procedimentos de controle suficientes e adequados para mitigar esses riscos.
4. Conclusão
A implementação de um Sistema de Controle Interno com as características abordadas neste artigo já vem se constituindo numa forma de fortalecimento dos controles internos em inúmeros órgãos públicos.
Diante de sua eficácia, é de fundamental importância que a redação final da Proposta de Emenda à Constituição 45/2009, que tramita no Senado Federal, deixe claro que as atividades do Sistema de Controle Interno, previstas nos arts. 31, 70 e 74, da CF, contemplam os controles administrativos, de caráter preventivo, exercidos por todas as unidades da estrutura organizacional, e não somente as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, conforme consta da redação original.
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